Um barbeiro que vira lenda. Um homem que conversa com o espelho. Amigos de infância rompidos por divergência política. Uma adolescente violentada. Um batizado em festa luxuosa ao som de sertanejos. É dessa matéria incandescente – entre o delírio e o cotidiano, o lirismo e o sarcasmo – que se faz A culpa deve ser do sol, livro em que Gustavo Alkmim reafirma sua maestria como contista.
Ecoando o legado de Mário de Andrade, Aníbal Machado e Marques Rebelo, Alkmim arma suas narrativas com apuro estilístico e rara sensibilidade para as minúcias da linguagem. Seu texto flui com ritmo próprio: ora seco e sincopado, como versos em prosa; ora expansivo, em enumerações quase orquestrais. O narrador, muitas vezes intruso e dialogal, se dirige ao leitor com ironia afiada e discreta melancolia, compondo um painel diverso de personagens, tempos e vozes. Os contos oscilam entre o realismo social e a fabulação poética, sem abrir mão da tensão. Há espelhos que devolvem mais do que imagens; há silêncios que gritam; há destinos cortados por um trágico senso de inevitabilidade. A solidão é quase sempre presença — mas nunca desprovida de humanidade.
Seja no humor machadiano, nas referências cinematográficas, nos fluxos de consciência ou na crítica sutil à elite brasileira, cada texto é um exercício de escuta do mundo, da língua e do outro. Como poucos, Alkmim sabe dar carne à ficção e sentido ao absurdo. E se a culpa
for mesmo do sol, como sugere o título, talvez seja porque ele ilumina demais — e não há como fugir do que a luz revela.