Alguma prosa faz um balanço da ficção brasileira de hoje. Jovens críticos analisam jovens autores. Dezesseis críticos, dezesseis autores. E o resultado é interessante, principalmente se pensarmos na peculiaridade do atual cenário literário brasileiro.
Porque o Brasil vive um momento que pode ser considerado bom – na produção ficcional, claro, porque no resto… Mas um “bom” que merece relativização. O que é bom na literatura atual não é necessariamente o que a crítica jornalística ou a publicidade dos grupelhos influentes alardeia como tal. Ao contrário: faz tempo que a maior parte de nossos suplementos culturais se tornou extensão e caixa de ressonância dos mecanismos de divulgação das grandes editoras. Já a academia, do alto de seu paquidérmico Olimpo, quase sempre demora demais para avaliar a escrita presente.
Por isso, o livro organizado por Giovanna Dealtry, Masé Lemos e Stefania Chiarelli é importante: ele assegura uma abordagem ampla, que reúne autores desiguais, mas que, de alguma forma, têm presença na cena literária brasileira de hoje. E, principalmente, os textos acham o tom certo para falar com o leitor: nem a superficialidade da abordagem às pressas, nem o hermético jargão universitário. Os dezesseis críticos vêm da academia, mas sabem da restrita capacidade de comunicação do texto acadêmico e conseguem contorná-la.
Claro que o leitor sente falta de alguns autores: Ricardo Lisias, Adriana Lunardi e Miguel Sanches Neto – três de nossos melhores ficcionistas – não estão lá. É sempre é possível questionar a presença de outros autores, menos expressivos (literariamente), embora cercados de atenção midiática – casos óbvios são André Sant’Anna e Marcelino Freire. Mas o título da coletânea já explica: Alguma prosa, não toda. E o critério de seleção, não de todo arbitrário, respeita a especialidade e o objeto de pesquisa direta ou aproximada dos críticos. Nada, portanto, a reclamar.
Interessante, sobretudo, é notarmos como algumas matrizes fortes da ficção brasileira, derivadas dos anos 1970, não são mais hegemônicas. A influência aterradora da ficção de Ignacio Loyola Brandão ou Rubem Fonseca, expressa em vários dos autores analisados, se dilui no confronto com a prosa fascinante de Cíntia Moscovich, abordada num bonito ensaio de Virgínia Leal, na tensão entre ficção e realidade de Bernardo Carvalho (bem estudado por Celiza Soares) ou na mitologia peculiar da escrita incomparável de Milton Hatoum, cuja “biblioteca” é analisada por Stefania Chiarelli, por meio de um método “pigliano” de estudo das leituras e dos leitores. Também chamam atenção os textos sobre Amílcar Bettega Barbosa (por Masé Lemos), Luiz Ruffato (por Giovanna Dealtry), ou sobre o Budapeste, de Chico Buarque (por Alexandre Faria).
O resultado que Alguma prosa oferece é o de uma literatura bastante plural, composta por variadas vertentes. É isso que é “bom” nela. Há altos e baixos, claro, entre os autores analisados, mas a boa qualidade é unânime nos estudos críticos da coletânea. Diante da escassa bibliografia sobre a maioria das obras enfocadas e dada a amplidão de sua lente, Alguma prosa é um necessário balanço da ficção brasileira atual.