Aos que desolham as coisas não é apenas o título — é uma convocação. Marcos Costarruda propõe o exercício do desvio: olhar o mundo pelas frestas, pelo avesso, pelas dobras menos visíveis da experiência. Em seus versos, não há ornamento nem enfeite: há palavra em carne viva, verbo desconfiado, adjetivo em exílio. A poesia aqui nasce do estilhaço, do desencaixe, da “impureza dos sentidos” — e é precisamente nisso que reside sua força. Multiartista de trânsito entre São Paulo e Recife, Costarruda estreia como poeta já com voz própria, madura e provocadora. Seus poemas são longos, por vezes vertiginosos, montados como colagens que fundem o lírico, o político, o insólito e o cotidiano. Como quem mastiga um abismo “debaixo da língua”, ele torce as frases para reinventar o que se diz e como se diz. Não há aqui busca por sentido imediato ou forma previsível — há risco, fratura, invenção.
A contundência de sua escrita vem acompanhada por uma espécie de lirismo subterrâneo, muitas vezes irônico, sempre atento às contradições de um tempo em que “o futuro foi desempregado pelo capricho do presente”. O poeta atravessa temas como a violência, a solidão, o corpo, os insetos e as avarias da linguagem com imaginação cortante e humor sombrio. Não à toa, há ecos de Manoel de Barros e Kafka, mas há, sobretudo, o espanto particular de quem “se kafkia em redoma”, pensando formiga. Este livro é feito para quem se dispõe a escutar o que cochicha nas margens. Para quem desconfia da palavra limpa e da metáfora educada. Para quem ainda acredita que a poesia, para ser, precisa antes desaprender — ou,
como sugere o título, desolhar.


O menor amor do mundo 

