Neste seu terceiro livro publicado, e segundo dedicado ao conto, João Inácio Padilha reafirma sua habilidade de transformar histórias aparentemente simples em narrativas cheias de camadas, nuances e viradas inesperadas.
É um livro multifacetado. Em algumas instâncias, a matéria do texto beira o mitológico: seres humanos desaparecem e, séculos depois, reaparecem como estátuas de terracota; terras estrangeiras só existem no imaginário, como a cidadela de Alfa Tria e os Estados Unidos da América no conto “Dinwiddie”.
Em outras instâncias, nos antípodas do mitológico, o texto é despojado de qualquer fantasia, irrompendo numa irônica linguagem naturalista, seca e crua, como nas passagens que descrevem o ato de falar (“A ponta da língua estala contra os dentes e escorrega até o alvéolo para friccioná-lo, enquanto os lábios se arredondam”) e o ato de ver uma nuca. São divertimentos narrativos que logo se diluem em explorações sensoriais, de que são exemplos a sensação de vertigem que paira sobre “Pesados paralelepípedos” e as desencontradas sensações provocadas pela água – às vezes, um terno encantamento; outras vezes, a opressão do afogamento, das enchentes e dos temporais.
Os contos são habitados por personagens – viajantes, sonhadores, amantes, crianças, velhos – que dão vida a um mosaico temático onde tudo cabe, da melancolia à violência, da amenidade ao pandemônio. Esse tumulto de elementos díspares é pacificado pela dicção coloquial e pelos discretos toques de humor que tipificam a índole estilística do autor.
Chineses que se evaporam é um livro para quem gosta de ser surpreendido, para quem aprecia a construção de personagens que, não obstante despertarem incredulidade face aos seus feitos, estão por aí vivíssimos, atuando como mensageiros de certos ensinamentos – o desaparecimento das certezas, a reinvenção dos papéis, os limites sempre móveis entre o real e o imaginado.
Maria Luiza Oswald



