Cronicontos: Sobre tempos, memórias, saudades é um romance de formação escrito com o ritmo atento da crônica e o corte certeiro do conto. Mauricio Murad parte do quintal da infância – os tempos de colégio, o futebol de arquibancada, os ritos de família, as ruas do subúrbio carioca – e ergue, peça a peça, uma galeria afetiva de personagens que parecem ter saído de um álbum de retratos: professores tiranos e ternos, amigas de riso solto, cozinheiras sábias, velhos sambistas, estudantes em ebulição. Tudo ilumina a juventude do Rio da segunda metade do século XX, quando o país aprendia, à força, os seus limites e descobria, teimoso, os seus desejos. O livro assume o seu neologismo programático – “cronicontos” – como modo de ver o mundo: narrativas curtas, de passo ágil, onde o real e o ficcional se implicam, sem pedir autorização. Murad trabalha nessa fronteira com leveza e precisão: uma cena doméstica vira revelação; um passeio escolar encosta no país; uma conversa de padaria devolve, com graça, uma filosofia de bolso; um amor ou um luto, de repente, ganham o peso de uma vida inteira. Há humor fino, ironia de boa cepa, ternura sem açúcar e a saudade como força de conhecimento. Vascaíno confesso, leitor de boa linhagem e cronista atento do cotidiano, o autor organiza mais de cem pequenas histórias como quem compõe um samba: refrões que voltam, achados de linguagem, surpresas de última hora. O que poderia ser apenas lembrança vira experiência de leitura – e, no espelho, experiência de quem lê. Porque aqui não interessa “o que aconteceu” mas o modo como a memória decanta, corrige, inventa: essa soma de versões que nos forma. No fim, fica a impressão de que crescemos junto com o narrador: da escola ao mundo, do susto ao entendimento, do riso à melancolia mansa. Entre encontros e despedidas, Cronicontos nos lembra que a vida cabe nos intervalos — e que é precisamente aí, nesse vão entre a crônica e o conto, que a literatura encontra a sua melhor voz.
Esta edição conta ainda com o prefácio do respeitado escritor e compositor Nei Lopes, auxílio luxuoso de um nome referencial.



