A literatura não é um atrito capaz de alterar fatos ocorridos no passado. Ainda assim, a escrita é uma possibilidade de narrar novamente essas histórias (sobretudo no plural, para não enfrentarmos o perigo de uma história única), de outro modo que não aquele contado pelos “vencedores”.
Em “Existe a terra”, a herança colonial e violenta que há anos se impõe no país é perturbada pelo desejo de arrombar senzalas organizar revoltas, e assim resgatar identidades quase apagadas como a de Catarina Paraguaçu, indígena tupinambá que foi a primeira a ler escrever e apagar/ a história da colonização. Os versos comprometidos com o ato político também afirmam nomes conhecidos, como o da cantora Dona Ivone Lara, o da ex-presidenta Dilma Rousseff e o da célebre psiquiatra Nise da Silveira, que ao longo da vida desenvolveu mania de liberdade.
A autora faz do poema um campo de luta, para que ninguém mais seja soterrado pelos discursos dominantes de gênero. Ao reconhecer o papel não linear da história e fazer uso da poesia como instrumento para criação de novas narrativas, com seus devidos recortes de classe/raça, Tatiana Azevedo investiga o que foi reprimido pela história oficial e, no meio dos estilhaços, tenta capturar a dimensão ética do agora para a invenção de um futuro transformador.
Corpo, feminino, natureza e territorialidade são as principais operações executadas pela poeta, que mesmo frente à extenuante experiência moderna reconhece no íntimo a imaginação como nossa realidade mais profunda. Diante dela, a primavera sempre chega.