Elegante em seu terno preto, Karl Kraus crocita aliterações, grasna assonâncias estridentes e rimas gorgolejantes conduzem sua voz em voos rítmicos. Trêmulas, mas sempre precisas, suas mãos movem-se como asas. Quando assistimos ao filme desta leitura de seu poema “Os Corvos”, sobre os campos de batalha da Primeira Grande Guerra, não podemos deixar de compreender
o fascínio que o poeta, prosador e conferencista performático austríaco exerceu sobre Walter Benjamin. Editor e único redator da revista Die Fackel (A Tocha), que circulou em Viena entre 1899 e 1936, Kraus exerceu um jornalismo polêmico e carregado de imagens poéticas, que se insurgia contra a própria instrumentalização da palavra na informação jornalística.
“Tudo o que Kraus escreveu é (…) um silêncio às avessas, em que a tempestade de eventos adentra seu casaco preto, e ele o levanta e vira do avesso o forro de cores berrantes”, escreve Benjamin. Em torno de seu perfil, esboçado neste ensaio que era inédito em português e a excelente tradução de Helano Ribeiro agora nos apresenta, Benjamin desdobra aspectos pouco explorados de sua própria filosofia da linguagem, tematizando em particular a poesia. A partir do uso que Kraus faz das citações, tece interessantes observações que recolocam em discussão a noção de nome. Procura pensar também suas relações com o recurso recorrente do poeta à rima: “Por meio da rima, a criança finalmente compreende que atingiu o próprio topo da linguagem, onde pode ouvir o murmúrio de todas as fontes da origem”.
O ótimo estudo de Katia Muricy, incluído como posfácio a esta edição, traz uma reconstrução cuidadosa dos contextos de produção de Kraus e deste texto que Benjamin lhe dedica. Apresenta também implicações filosóficas deste ensaio crítico, numa leitura aprofundada, capaz de guiar o leitor contemporâneo nos labirintos também poéticos da prosa teórica de Benjamin.
[Patrícia Lavelle – poeta, professora do Departamento de Letras da PUC-Rio]