[ Livro em pré-venda – envio a partir de 5 de maio]
Não se iluda, leitor, leitora, com os versos livres, o tom prosaico e a dicção conversacional dos poemas deste livro, o quarto poemário de João Gabriel Madeira Pontes. Pois por trás da fluidez e naturalidade desses versos está uma questão tão difícil quanto crucial para a poesia: a questão da existência de sentido – ou da ausência dele – como parte constituinte do mundo humano. Este livro já enuncia que este é seu material logo em seu título-homenagem ao poeta Ricardo Zelarayán, no qual a palavra nada parece deslizar como uma expressão corriqueira, mas pesa como o maior dos pesos. O que pode a poesia em um mundo do qual o sentido se retirou? Num mundo translúcido como um copo d’água, onde não há mistério algum porque não há mais sentido, pode a poesia esmagar o nada como se esmaga uma pulga entre dois polegares? Pode ela restituir uma fração que seja do sentido perdido como uma promessa quebrada?
Apesar do frescor da formulação de Zelarayán e Madeira Pontes, a questão não é nova, e talvez já há mais de um século seja um dos principais motores, e encruzilhadas, da criação poética. Eis a aporia, afinal: se é verdade que a poesia é uma máquina de criação de sentido, este é sem dúvida também sua própria condição de existência; portanto, num mundo em que o sentido se dissolveu, também a própria possibilidade da poesia parece encontrar-se em risco. Nada entre dois polegares, no entanto, se apropria dessa atualíssima aporia com muita personalidade, situando-a no aqui-e-agora do nosso mundo pós-pandêmico, necropolítico, constituído por inúmeras crises e historicidades que se confundem e sobrepõem. E, mais ainda, explicitando-a sempre a partir da experiência concreta, no que ela tem de mais material e também de mais recalcitrante à articulação poética.
Seja na longa meditação sobre o desejo e a promessa, tão central para o livro (como em “Véspera da véspera”), seja na reflexão sobre a própria poesia e a linguagem (“Arte poética” e “As coisas”), na investigação sobre os caminhos e descaminhos da história (“Filme de terror”) ou sobretudo no engenhoso entrecruzamento de todas essas dimensões, o resultado dessa pesquisa poética complexa e sutil são poemas muito singulares, que exibem o assombro do sem-sentido e o desassombro em aceitá-lo como destino inexorável – deste tempo, da própria poesia.
Daniel Arelli