O triunfo do Real

Abrir as orelhas para ler o que escreveu Vivian Ligeiro é um dispositivo potente para trazer à tona o que ficou esquecido por trás de nossas leituras e escutas da criação de Freud, da reinvenção de Lacan e das obras que semeiam o campo da psicanálise. Este trabalho tem a consistência e o rigor necessários para contribuir com o avanço da psicanálise enquanto ciência e arte através dos tempos. Eis um objeto teórico, testemunho do atravessamento da teoria, autêntico passe livre na formação permanente de cada psicanalista, sintagmas propostos por Marco Antonio Coutinho Jorge, orientador da tese que resultou neste livro O triunfo do real: arte e psicanálise.
Parafraseando o sintagma de Lacan triunfo da religião, a autora nos convida a descobrir o saber fazer com o real através da arte e da psicanálise. Impossível deter a curiosidade que nos anima em cada anúncio dos capítulos, quando ela toca a nota exata que sustenta a escuta do corpo, onde o sujeito habita: “O corpo no registro do silêncio dos órgãos em oposição ao barulho estrondoso das pulsões”. O corpo tomado nessas duas dimensões guia nossa leitura através (proponho) do olhar escutante.
A tríade R.S.I., circunscrita pelo nó borromeu, marca o diapasão que assegura a sintonia entre as partes que compõem o corpus. Eis o estranho pela via da sublimação, a exercer a função do belo tocando o corpo desde o irrepresentável, que sustenta o olhar na direção do impossível, até o olhar que nos mostra a “desmaterialização do objeto na arte e na psicanálise”.
A autora nos oferece uma análise eros-dita sobre a antecedência dos artistas aos teóricos, com um movimento vertiginoso de seu pensamento em torno da Performance. Diante da riqueza das análises de obras contemporâneas, destaca-se o estrondoso trabalho da artista francesa ORLAN e sua Arte Carnal que propõe “um corpo que apague a distância entre o ser e o parecer, um corpo que não seja semblante”.
Nesta partitura discursiva, as vozes sintonizadas por Vivian Ligeiro ecoam em uníssono como se assistíssemos a um concerto científico.

Numa Ciro

Psicanalista membro do Corpo Freudiano
Seção Rio de Janeiro.
Artista: poeta/performer.