Como num sonho da infância, a casa de Álvaro Miranda é viva. É ela que nos habita e encerra, guardando nossos sonos, segredos inaudíveis, as miragens do que somos.
Estão lá medos, angústia, gozos, grito e desmazelos. O tempo de vida que não vemos ela espreita, acompanha e recolhe.
Os lençóis cobrem seus móveis e corpos e, na sua retidão, abraça outros contornos e registros que insistem em vazar na sua memória de pedra.
A casa se impregna dos nossos cheiros que lhe entranham paredes adentro, dos barulhos que agitam silêncios e sinos de vento e acorda enquanto dormimos para alçar seus imponderáveis vôos.
Essa casa que nasce e morre todo dia no compasso da luz, envelhece como nós em escombros dela mesma, nos restos e cansaços das noites festivas, nas dores das madeiras estaladas, em venezianas que cerram pálpebras para esconder a velhice das cores descascadas, até que vire nada.
Álvaro Miranda, na continuidade de seus poemas, reinventa a casa, cansada de ser retratada com saudosismos e pieguices, e a povoa de falas, vácuos, ermos e roncos, assim a transformando em nave fantástica que nos carrega e, sem rumo, nos atravessa tempo e horizontes, até que deixemos de continuar viagem.
Na poesia de Álvaro, a casa continua sempre nave, nômade, a despeito de quem a ocupe.