João do Rio dizia que a cultura do brasileiro era janeleira. Querendo ver e ser visto, ele adorava postar-se à janela de casa, ao anoitecer, a fim de analisar o movimento lá fora. E esse lugar limítrofe, a janela, fronteira entre o público e o privado, o lar e a rua, a intimidade e a exposição, seria o espaço por excelência do cronista.
Pois neste ótimo Anônimo nômade, Mário Araújo se coloca diante dos leitores de um modo semelhante: “Há muito abri a porta de Curitiba”, escreve ele, “mas ainda estou parado na soleira”. Um limiar simbólico, quase hesitante, de onde o autor se dispõe a observar tanto o mundo — Roma, Xangai, Havana e Brasília, cidades em que já morou, levado pela profissão de diplomata — quanto o tempo — o passado suburbano, o presente de instabilidade política e o futuro de estranheza tecnológica, nunca deixando de lado, é claro, aquela eterna desconfiança dos cronistas em relação às inovações que desumanizam, ao parasitismo publicitário e às ditaduras da utilidade e da certeza.
Em sua primeira antologia de crônicas, Mário também nos apresenta um vasto elenco de tipos carismáticos ou comoventes: o mendigo finlandês, a senhora calva, a criança de pijama, o músico cubano e, entre tantos outros, Wallace, o jogador que lê. Mas seu maior personagem, sem dúvida, é ele próprio, reconstruído a partir de uma infância simples, quando seu maior desejo era trabalhar entregando cartas ou cortando grama. Menino sempre atento à sucessão das copas de futebol, dividido entre o pai italiano, o avô alemão e o carrossel holandês, hoje sente de tudo uma espécie de saudade relutante. E especialmente do Brasil, este país diverso e tropical que, conforme já lhe explicou o filho cosmopolita, é um quebra-cabeças muito complicado. [Luís Henrique Pellanda]


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