28 de junho de 1969: Já não era mais noite quando a polícia de Nova York se deparou com a resistência daqueles que frequentavam o bar Stonewall Inn, na região de Greenwich Village. Teria sido mais um ato de violência de Estado enquanto representação da homofobia e do ódio contra a diversidade no âmbito da sexualidade. E teria sido racionalizado por uma sociedade igualmente signatária desses atos, e provavelmente a opressão seria relevada, para se repetir em diferentes lugares noites afora.
Mas já não era mais noite em Stonewall, e seu amanhecer foi uma fagulha a despertar vozes pelo mundo. A sequência de protestos que se seguiu até hoje está presente em diversas paradas de orgulho LGBTQIAPN+ como luzes dissonantes, como um brilho a evitar a noite que sempre espreita. Entretanto, como avançar em termos de direitos e representatividade sem compreender as raízes de movimentos que insistem em insurgir como ódio, preconceito e outras formas de agressão e silenciamento? Já não era mais noite em Stonewall, mas será que conseguiremos sustentar a alvorada em nossa contemporaneidade se não nos defrontarmos com os horrores da LGBTQIAPN+fobia e do homódio? Tudo aquilo que é expulso do simbólico tende ao seu retorno trágico e fatídico no Real, o que demanda não somente lucidez, mas também posicionamento político.
É com o intuito de um esforço coletivo de enfrentamento e transformação social que Marco
Antonio Coutinho Jorge e Natália Pereira Travassos elencam um super time de autores e autoras para sustentar esse belo ato de afirmação do caminho que leva Do armário às ruas, do enclausuramento à luz do dia, da longa noite do silêncio ao raiar do direito à fala. Retomando a história de lutas, da qual Stonewall é um momento histórico a não se esquecer, passando pela afirmação do orgulho, da riqueza e variabilidade da sexualidade humana, da despatologização da diferença mas também do reconhecimento do páthos implicado na experiência do amor e nos desfiladeiros da sexualidade, este livro nos brinda com um exercício rigoroso de escrita e implicação naquilo que a psicanálise comporta de mais belo e mais subversivo: o testemunho de que a reescrita da história é um ato de afirmação de nossa condição de sujeitos.
Já não era mais noite em Stonewall, mas para que essa luz não se apague faz-se necessário que estejamos de olhos abertos e vigilantes. Ao menos é isso que os autores desta obra incontornável nos convidam: a um belo despertar.
Tiago Ravanello
Psicanalista. Psicólogo. Professor associado da Faculdade de Ciências Humanas da Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Diretor do Corpo Freudiano Núcleo Campo Grande.