Fragmentos

“Todas as famílias felizes se parecem, cada família infeliz é infeliz à sua maneira.”
Nada mais apropriado que a epígrafe de Tolstói para resumir estes Fragmentos. Neles, Pedro conduz o leitor entre os cômodos e incômodos familiares, desvelando os conflitos que marcam não apenas aquele núcleo retratado, mas todo um determinado estrato social. Narrador é também homônimo do autor, recurso que logo nos leva a uma dupla leitura entre biografia e autoficção, indicando que os personagens são mais reais do que inventados. Não é à toa que as memórias remetem a cenas proustianas – explorando os sabores mais diversos, para além das madeleines –, assim como a inúmeras referências literárias presentes ao longo do livro, especialmente aos clássicos russos. A infância e adolescência do protagonista trazem à lembrança uma época que soa muito atual e ao mesmo tempo já quase remota na vertigem do tempo, com mochilas Kipling, Super Nintendo e o programa do Chaves na televisão. Cirri constrói uma espécie de romance de formação, com as descobertas do amor e do sexo, as aventuras e cenários das viagens, os mergulhos na caça submarina e as leituras e histórias alheias pontuando cada experiência, e ao mesmo tempo trata das relações íntimas e humanas com profunda sensibilidade, presente tanto nos diálogos e situações vividas por cada personagem como no apuro do texto, que revela um escritor talentoso e com pleno domínio de seu ofício.