Este livro de Marcos Siscar se divide em oito partes – o que funciona tanto como modo de aproximação quanto de distanciamento dos poemas nelas reunidos. Sempre marcada por subtítulos e epígrafes, tal divisão performa um gesto simultâneo de singularização e de contaminação. Cria portas, passagens, ao mesmo tempo entreabertas e entrefechadas. Esse gesto sustenta uma dicção marcada pela visualidade pensativa e transitiva, que apresenta sempre de algum modo em suspenso o visível. “Oficina de fotogramas selvagens”, “Penetráveis”, “Pietà”, nomeiam partes do livro e abrem passagens diferentes para textos anteriores do poeta, para esculturas e instalações expandidas como as de Helio Oiticica, para filmes de diferentes diretores e épocas. Sua montagem interliga Michelângelo e Ticiano, a peste negra que matou este e a covid contemporânea, e uma reflexão sobre hierarquia entre as artes, sobre originalidade e apropriação e sobre a relação entre arte e finitude, afeto e ética. O livro se organiza então como conjunto de rastros, “Fragmentos de relação cuidadosamente trançados. Colhidos e oferecidos. Brilhando ao sol dos desencontros.” O desencontro como iluminação ressalta o aspecto da transitividade que faz a escrita de Marcos mover-se rente a um real que suspende a dicotomia entre interior e exterior, próximo e distante, familiar e estranho, alto e baixo – mas sempre endereçado. Exemplo disso é o modo como o livro se abre com um “Estudos de distância (Prelúdio)” – em que aparece pela única vez a palavra “coração” associada à passagem entre escrita e leitura e a uma nave espacial: “o coração da Voyager 2 ainda bate/como o desejo nas páginas de um livro/que não se cansou de buscar destinatário”. E se “encerra” com “Sinais luminosos (Epílogo)”, onde retorna a imagem da nave, junto à imagem de “um coro de luz” associado à escuta de diversos músicos e ritmos. Os sinais reúnem vários fragmentos de voz, soantes e dissonantes, vindos de diferentes espaços e tempos para o ter-lugar, sempre presentificado, dos poemas. Uma outra voz longínqua já havia ganhado presença como epígrafe no “Prelúdio” – a do poeta russo Ossip Mandelstam: “Trocar sinais com o planeta Marte (claro, sem se entregar à fantasia) é tarefa digna de um poeta lírico.” Reafirma-se então o desejo de escrever como busca de um rumo e um destinatário desconhecido, como concretiza o uso constante do “você” que possibilita a aparição do “nós”, e perspectiva indeterminadamente o uso do eu. Nos poemas reunidos sob o título “Posta-restante” essa busca aparece de novo na epígrafe (resto reativado), recolhida dessa vez em Jacques Derrida: “O postal está sempre em resto, pendente, sempre posta restante. Ele espera o destinatário que pode, porventura, nunca chegar.” Através dessas passagens, correspondências, desencontros, a poesia em versos e em prosa de Siscar convoca a uma releitura do lirismo – conjugando expressão, reflexão e expansão – como algo ainda por re-conhecer – desde o carrapicho ao rés do chão à nave no espaço sideral. No mesmo movimento, Siscar reabre a imagem do “coração posto a nu” que nomeia um diário de Baudelaire, de onde nos traz a imagem do “infinito diminutivo”, transformada em “infinito de bolso”: pequeno e desdobrável, capaz de mover, levar e trazer tudo (?) ao redor.
Célia Pedrosa


Grito em praça vazia
Corvos contra a noite
Poemas para morder a parede
O assassinato da rosa
O mais sutil é a queda
Balada de uma retina sul-americana
Estão matando os humoristas
Poesia reunida
Natureza humana 2
Corpo em combate, cenas de uma vida
A gaia ciência de James Joyce
Diálogos possíveis
Antologia poética
Nenhum nome onde morar
Caminhos do hispanismo
Pedaço de mim
Cara de cavalo
Caminhos para conhecer Dona Flor no cinquentenário da narrativa de Jorge Amado 

