A história dos seios é um pequeno grande livro, que expõe, como diz o título, os pomos da feminilidade desde sua primavera. Os mesmos seios que, de modo geral, são a metáfora daquilo que se pretende guardar ou que pretende ser o abrigo, em clichês como “no seio” da sociedade, ou “no seio” da civilização, ou “no seio da Mãe Terra”. Aqui, esses seios se expõem com as auréolas pintadas de merthiolate, e já nas frases iniciais se revelam signos assinalados pela tragédia.
Vida e morte espreitam o leitor desde o primeiro parágrafo. Rosália Milsztajn expõe sua dor com coragem, sem autopiedade. E faz com que essa experiência se amplifique e pertença a todas as mulheres, e, por inexorável extensão, a todos os homens. No livro de Rosália, a destinação natural da mulher dialoga com a destinação cósmica. E até mesmo com a destinação cômica. Atmosferas se alternam. Surgem palavras terríveis extraídas do grego: esteriotaxia. Os seios são objeto de especulação metafísica e estética. Tal como o coque de sua avó, o seio pode ser apenas uma estrutura imaginária de arame, que o acaso ou um Deus a serviço da genética cismou de pôr a nu. Ou um mero conjunto de arquiteturas anatômicas sobre as quais depositamos símbolos de nossa origem, ou nossas primeiras imagens do mundo.
Aliás, não deve ser por acaso que a variedade semântica da palavra seio parece inventada por um clube de poetas. Segundo o dicionário Houaiss, às vezes significa dobra, bojo de vela enfunada pelo vento, sem contar com as acepções mais conhecidas: mama ou colo. Entre as derivações por metonímia e metáfora, é também “o mais recôndito de um ser; alma; espírito”. Tudo isso Rosália sabe sugerir, sem jamais parecer professoral, sem jamais ditar regras. E sem plumas de literatice.
De súbito, quando o relato parece caminhar implacavelmente para um desenlace trágico, duas novas mamas são implantadas na protagonista. Sentimentos inesperados são suscitados pelos novos seios: a alegria, o desejo, a culpa por ter transformado um episódio patológico – isto é, os nódulos nas mamas – num carnaval da carne, isto é, as novas mamas queen size. Que provocam a alternância de medo e êxtase: a fantasia de uma morte iminente se instila no texto, contraponteada por explosões de exibicionismo, em que a pulsão vital torna imperioso mostrar a nova versão dos seios a antigos ou futuros amados.
Em suma, diversas figuras do imaginário feminino repontam em A história dos seios, entremeadas por relâmpagos de ironia, reflexão e poesia. Tudo isso faz com que o livro de Rosália seja imperdível, por sua coragem de falar sem subterfúgios de um tema tão fundamental, mas quase sempre engolfado por um erotismo prêt-à-porter, ou oculto pelo pudor de exibir a dor. Os seios, essa grande metáfora sob a qual todos nos abrigamos gregos e baianos, desde que o mundo é mundo. [Geraldo Carneiro]