“A morte veio em hora errada” – esta reflexão poderia atravessar o pensamento de vários personagens do segundo romance de Jairo Carmo. Caleidoscópico, Belas viúvas cruza tempos e espaços (do interior da Amazônia ao Rio de Janeiro, passando por Brasília; da década de 50 à passagem de 1984 a 1985) para exprimir o caráter frágil de nossa existência neste mundo.
“Cada pessoa se arranja de uma maneira, dizia Glorinha para consolar. Eis a questão: como se arranjar?”. A personagem é uma das viúvas do livro, cuja trama se tece em torno da história de alguns casais. Mas quem protagoniza realmente estas páginas é Marta Benício, figura complexa e cativante, que não tendo mais ao seu lado o companheiro de uma vida, Aníbal Pinheiro, revive memórias e enfrenta seu presente. Por meio de uma linguagem precisa, com gosto pelo aforismo, Jairo Carmo nos envolve na trajetória dessa mulher que não teme encarar os cantos obscuros de seus sentimentos, vivendo com intensidade, dentro dos limites definidos por sua época. É também para ela que Belas viúvas se volta, com indubitável atualidade, aprofundando-se no papel subjetivo e social da religião e trazendo à tona, sem rodeios, a violência ditatorial que tanto marcou a história do Brasil.
“Crente ou descrente, o grande conflito é viver”, resume o narrador. Eis uma lição fundamental deste livro esboçado na juventude e – felizmente para seus leitores – retomado como parte da trilogia romanesca iniciada com Carnaval amarelo. Nela, Jairo Carmo vai nos aproximando das contradições dos laços afetivos que nos fazem ser o que somos, seres apegados às pessoas e às palavras, desejosos de alcançá-las.
Paloma Vidal